terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

A história do "Chéché" repete-se?


Nos inícios do séc. XIX, a vitória da causa liberal sobre o absolutismo, a introdução da Constituição e do Parlamento e a criação de uma nova classe dirigente, resulta numa profunda reforma rumo ao progresso tecnológico. A introdução do comboio gera uma revolução económica e social de tal ordem, ao ponto de fazer emergir uma classe social, por sinal ainda muito fraca em Portugal, a burguesia. O incremento económico gerado pela linha-férrea e pelo desenvolvimento industrial, resultou no rápido enriquecimento de muitas famílias de proprietários e novos empresários, que adoptaram um novo estilo de vida, o “estilo burguês”. Culturalmente, este estilo expressa-se pelo “Romantismo”, na literatura, na pintura, no vestuário, no lazer, etc. O “dinheiro novo”, nas mãos de famílias cultas e de gostos refinados, origina um modo de vida ostensivo, onde a aparência e um rigoroso código de conduta social eram cultivados por homens e mulheres. Ora, apesar de algumas famílias terem enriquecido, a grande maioria da população permanecia pobre ou remediada, servindo as ditas famílias das mais variadas maneiras. Assim, enquanto o “Carnaval” burguês era vivido com a classe e o requinte das festas inspiradas no Carnaval italiano, o “Entrudo” popular era vivido com o deboche e por vezes a brutalidade de quem procura, num momento, libertar tensões e revoltas de todo um ano. Assim, na cidade, o “Entrudo” era normalmente vivido de forma caricatural, e, naquele dia, a população era livre de dizer o que pensava dos seus senhores. Surge assim o personagem “Cheché”. O “Cheché” era um mascarado, vestindo um antigo traje senhorial do séc. XVIII (anterior à Revolução Liberal). Numa mão trazia uma grande faca, na outra, trazia uma vara comprida, na ponta da qual estava preso um par de chifres. Assim andavam os “Chechés”, aos pares ou em grupo, com grandes barrigas e muito bem vestidos. Vagueavam pelas ruas da cidade à procura dos senhores burgueses que se passeavam pela rua. Quando os encontravam, pavoneando-se pelas largas avenidas, saltavam e gritavam em seu redor, assustando-os com os facalhões, lançando impropérios e grosserias de toda a espécie. Usavam de linguagem obscena em público, chocando a fina sensibilidade burguesa que muito se ofendia com o vexame imposto. Por fim, o “Cheché” colocaria a grande vara por detrás do senhor, ficando os chifres a descoberto por cima de sua cabeça. A ofensa era bem clara, na verdade, muitos destes senhores já de idade avançada, faziam-se acompanhar de mulheres muito mais jovens, pelo que o povo sugeria desta forma a infidelidade dessas mulheres. O “Cheché” não passava de uma paródia mascarada, escondida, àqueles que o povo considerava serem os verdadeiros chechés, ou seja, os grandes burgueses, velhos, gordos, das pernas arqueadas e falsas aparências, que neste dia de folia eram grosseiramente denunciadas. Assim, o dito “estás a ficar cheché” não é mais que uma reminiscência popular destes antigos foliões, qual celebração da histeria e insanidade humana.

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