sábado, 2 de abril de 2011

Esperar, quê, quem, e porquê?



Ideologicamente, segundo o presidente do PSD, «acabará com o paradigma estatizante.» Significa, em palavras simples, que vai deixar de haver Estado na Educação, na Saúde, na Segurança Social. Cada qual entregue a si próprio. O breviário neoliberal encontra, neste conceito, a dureza do seu propósito: o individualismo mais feroz, a opor-se à relação tradicional dos laços sociais.

Ensinam-nos os mestres que menos Estado menos democracia. Uma nação transformada num imenso condomínio, com aplicados gestores e zelosos vigilantes, eis o que nos espera. As conquistas sociais obtidas na Europa no imediato pós-guerra parecem estar condenadas. Irremediavelmente? O que se passa, nos grandes países europeus, configura uma farsa pesada (a Itália de Berlusconi), um vaudeville grotesco (a França de Sarkozi) ou o arbítrio ignorante (a Alemanha de Merkel).

Tudo isto resulta de uma falta de visão de conjunto e da ausência de conhecimento da História, como há meses, lucidamente escreveu Antonio Tabucchi. A soma destas aventuras desditosas é o retrato das convulsões sociais, das múltiplas misérias e da carência de ética, que nega e condena todas as formas de sonho e de progresso como de desdenháveis utopias se tratasse.
Pedro Passos Coelho, independentemente da simpatia pessoal que possa suscitar, é outro daqueles políticos do «sigamos o cherne» [Alexandre O'Neill], destinados ao desastre por inexistência de projecto nacional. A internacional neoliberal é que manda, dirige, pune e estimula. Não será preciso grande esforço intelectual para que vejamos o quadro. E o quadro é sinistro.
A União Europeia, não o esqueçamos, é dominada pelo Partido Popular Europeu, que reúne um conjunto de partidos de Direita e de Extrema-direita. Deles emanam as orientações repressivas a que temos vindo a ser submetidos. E o PSD pertence a essa agremiação política, configurada numa poderosa expressão de poder. A Europa não responde drasticamente, porque o não deseja, porque feria os seus interesses, ao manobrismo financeiros dos grandes grupos económicos. A imoralidade atinge índices nunca vistos.
Ignoro o modo e o estilo que Passos Coelho adoptará, dando o caso de ganhar as próximas legislativas. Mas não ignoro nem o modo nem o estilo de uma Esquerda incapaz de dar resposta à maior ofensiva de domínio unilateral de que há memória. Adicione-se-lhe a traição dos partidos socialistas, de que o nosso é penoso exemplo.
Sócrates ganha as eleições no seu partido com uma expressão tão impressionante que faz lembrar os índices obtidos pelo falecido Kim Il Sung, glorioso timoneiro. Lá dentro é o bem-amado; no exterior, é uma das criaturas políticas mais odiadas desde tempos imemoriais. Chegou-se ao ponto de fogosos teóricos (e não só de Direita) admitirem, como salvação da pátria, uma coligação PSD-PS-CDS, apenas com um ligeiro pormenor: sem a presença do engenheiro. As coisas estão na mesma porque as coisas são o que são. «O país é pequeno, e as pessoas que lá vivem maiores não são», disse Garrett, e acertou no alvo.
Esperemos. Mas esperemos, quê, quem e porquê?
Isto não vai lá com coligações que se entendem. Vai, isso sim, com políticas que vaticinem o futuro, com políticos que possuam o estofo de estadistas e com uma alteração de mentalidades tão grande que seria precisa uma barrela de dimensões inauditas.

APOSTILA - Acaba de sair a segunda edição de «Dom Tanas de Barbatanas», de Tomaz de Figueiredo, um prodigioso e sarcástico retrato de Portugal, de quem cá vive de quem cá manda. A primeira edição foi editada (anote-se o escândalo e a vergonha que o envolve) em 1962. O silêncio em redor deste livro, admirável a muitos títulos, não tem apenas a ver com a nossa indolente ignorância. Não. «Dom Tanas de Basbatanas», dois tomos escritos num idioma de lei, escarmenta, sem indulgência mas com ternura magoada e melancólica, a nossa índole, simultaneamente rapace, matreira e acarneirada. Figueiredo é um dos maiores prosadores portugueses de sempre, um trabalhador incansável das letras e das ideias, um zombeteiro felino que não poupava amigos, desde que estes fossem estúpidos ou indignos. Estou a reler esta peça literária invulgar, com o gozo e o prazer das grandes descobertas. [A edição é da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, e inclui um prefácio de Sérgio Guimarães de Sousa, introdução muito lúcida ao romance e a quem o escreveu.]Baptista Bastos


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