terça-feira, 12 de julho de 2011

Obrigado, Berlusconi!


Não é sadismo, é egoísmo. Egoísmo deles, que se afastam dos países resgatados como de leprosos. Egoísmo nosso, que vemos no contágio uma saída para o degredo. Com "isto" da Itália, Portugal já não será expulso do euro. Os políticos europeus vão deixar de se comportar como homens das cavernas. E resolver o problema.

Não é sadismo, é egoísmo. Egoísmo deles, que se afastam dos países resgatados como de leprosos. Egoísmo nosso, que vemos no contágio uma saída para o degredo. Com "isto" da Itália, Portugal já não será expulso do euro. Os políticos europeus vão deixar de se comportar como homens das cavernas. E resolver o problema.

A Europa levou nos últimos dias um par de chapadas: uma foi o corte do "rating" de Portugal para lixo; a outra foi a alucinação destrutiva de ontem nos mercados. Já ninguém acredita em soluções nacionais para a crise de dívida soberana do euro. Só há solução europeia. Política acima da austeridade. Não em vez dela, mas acima dela.

Portugal sofreu o dano colateral dessa mensagem enviada pela Moody's, como disse ontem Maria João Rodrigues. Ninguém crê mais no modelo de resgate dos países europeus. Nem os mercados, nem os credores, nem as agências de "rating". Acreditam os líderes da Alemanha e da França. Merkel é o Sócrates da Europa: em negação até à ruína.

Daí o cinismo: obrigado, Berlusconi. Obrigado pela birra com um ministro das Finanças credível, cuja possibilidade de saída colocou os holofotes na terceira maior economia da Zona Euro. Ontem foi um dia horrível nos mercados, mas teve essa vantagem. A de deixar claro que não é possível conter o problema de Grécia e de Portugal, e da Irlanda, atrás de cercas imaginárias. A quarentena não evita o contágio.

O maior medo de Portugal é ser expulso do euro. Esse cenário existe entre os que querem "purificar" a Zona Euro: exterminar as células contaminadas, expulsar a Grécia e Portugal. Portugal pode, desde ontem, perder o medo. Um corpo pode viver sem dois braços, mas não se lhe pode amputar o coração. A Itália é grande de mais: se falha, cai o euro.

Então, o que fazer? O curioso é que não faltam soluções. Uma delas é defendida pelo próprio ministro italiano das Finanças, Giulio Tremonti: obrigações europeias. Outra foi proposta na semana passada por Stuart Holland, de retirar a dívida pública até 60% do PIB dos países europeus dos mercados, e assim também do alvo das agências de "rating". Outra ainda foi discutida em Março, no mesmo dia em que Portugal anunciou o PEC 4 e lançou uma crise política suicida: a flexibilização do fundo de emergência, que passaria a comprar dívida pública dos países acima de uma determinada taxa de juro (relativamente à Alemanha).

Nenhuma destas soluções foi aprovada, basicamente porque a Alemanha, acompanhada da França, não quer. Não apenas porque a pressão das suas opiniões públicas o dificulta. Mas também porque querem envolver os credores privados no prejuízo. Daí que Sarkozy tenha proposto renovações garantidas dos empréstimos bancários. Mas as agências de "rating" já vieram classificar a manobra como "default" selectivo. E "default" é a palavra proibida para o BCE, que diz que as consequências de um incumprimento são imprevisíveis.

Há uma música arrepiante de Laurie Anderson, chamada "From the air", em que um comandante de um avião comunica aos passageiros, pelo intercomunicador, que o avião se vai despenhar. Com a calma de um louco, diz: "não há piloto, vamos todos cair, saltem do avião, ah, ah, ah". Esta é a imagem da Europa: os comandantes a mais estão a discutir na cauda do avião de quem é a culpa da queda, e deixaram a cabina vazia.

O pânico nos mercados, a dívida portuguesa a 20% a três anos, as acções a derreterem, o stress com a banca europeia, a Grécia a falhar: tudo isso é o pânico de ver descontrolado este avião que é a União Europeia. Quem está cá em baixo já nem quer saber dos passageiros, o que quer é que o avião não lhe caia em cima.


crónica de: Pedro Santos Guerreiro

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