Relembrando Zeca Afonso... e a sua contínua actualidade...
Admite que a fim e ao cabo os povos têm os governos que merecem?
Tenho oscilado entre recusar essa conclusão e admiti-la. É um facto que no povo português há uma tendência para a subserviência, para se curvar perante a autoridade, para o compadrio, os favores, para o deixar andar. Mas tudo isso existe ao lado de uma certa truculência e dignidade. Conheço muito bem os alentejanos, por exemplo. São pessoas pobres, talvez sem grande combatividade, mas existe nelas uma dignidade perturbante. Não é fácil pisá-las, embora pareça fácil abusar delas durante muito tempo.
O que acaba por ser curioso é que você contesta a democracia parlamentar com a mesma veemência com que contestou o fascismo.
O problema é que os direitos formais têm cada vez menos conteúdo prático. As liberdades formais não servem para nada se não tiverem consequências no dia a dia das pessoas. Teoricamente não há censura, não existe repressão policial ao nível da política, pode-se portanto falar, escrever, etc. Mas os mecanismos de coerção e discriminação permanecem. Mais subtis, mais pulverizados, mas permanecem. O que não quer dizer que eu não preferia a democracia formal ao fascismo, é evidente. Mas no fundo a liberdade é antes de mais nada a liberdade de se viver melhor. Por isso a liberdade para o doutor Mário Soares é uma coisa e para o tipo que está sem salários ou sem emprego ou sem casa é outra. Em quase toda a região de Setúbal há fome, mulheres casadas e raparigas prostituem-se para comer. Que sentido faz falar a estas pessoas da liberdade da democracia? Claro, há uma data de gente que vive melhor do que antes do 25 de Abril, mas à custa de clientelismos partidários e favores políticos que não afirmam propriamente os trunfos dum regime.(...)
Excertos da entrevista concedida por José Afonso ao jornalista e escritor José Amaro Dionísio em Junho de 1985.
Retirado de: http://www.aja.pt/eudizia.htm
Tenho oscilado entre recusar essa conclusão e admiti-la. É um facto que no povo português há uma tendência para a subserviência, para se curvar perante a autoridade, para o compadrio, os favores, para o deixar andar. Mas tudo isso existe ao lado de uma certa truculência e dignidade. Conheço muito bem os alentejanos, por exemplo. São pessoas pobres, talvez sem grande combatividade, mas existe nelas uma dignidade perturbante. Não é fácil pisá-las, embora pareça fácil abusar delas durante muito tempo.
O que acaba por ser curioso é que você contesta a democracia parlamentar com a mesma veemência com que contestou o fascismo.
O problema é que os direitos formais têm cada vez menos conteúdo prático. As liberdades formais não servem para nada se não tiverem consequências no dia a dia das pessoas. Teoricamente não há censura, não existe repressão policial ao nível da política, pode-se portanto falar, escrever, etc. Mas os mecanismos de coerção e discriminação permanecem. Mais subtis, mais pulverizados, mas permanecem. O que não quer dizer que eu não preferia a democracia formal ao fascismo, é evidente. Mas no fundo a liberdade é antes de mais nada a liberdade de se viver melhor. Por isso a liberdade para o doutor Mário Soares é uma coisa e para o tipo que está sem salários ou sem emprego ou sem casa é outra. Em quase toda a região de Setúbal há fome, mulheres casadas e raparigas prostituem-se para comer. Que sentido faz falar a estas pessoas da liberdade da democracia? Claro, há uma data de gente que vive melhor do que antes do 25 de Abril, mas à custa de clientelismos partidários e favores políticos que não afirmam propriamente os trunfos dum regime.(...)
Excertos da entrevista concedida por José Afonso ao jornalista e escritor José Amaro Dionísio em Junho de 1985.
Retirado de: http://www.aja.pt/eudizia.htm
1 comentário:
nem mais. na "mouche".
abraços
Enviar um comentário