quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Conselhos práticos para uma longa viagem...


• A primeira coisa que um viajante deve fazer, impreterivelmente, é, consoante os territórios por onde se quer aventurar, começar por adquirir um bom mapa. Um mapa ao acaso que detenha, pelo menos, duas coisas: as linhas de caminhos-de-ferro e as cidades e vilas que acompanham a viagem, se for feita.
• O segundo passo é o mais delicado: trata-se daquilo que Brian Hollingsworth, num famoso livrinho, tão famoso, quanto saboroso, chamado The Pleasures of Railways ( A Jorney by Train through the Delectable Country of Enthusiasm for Railways, 1983), chama The Art of Timetabling. Hollingsworth é um especialista: antes deste The Pleasures of Railways escreveu, por exemplo, Steam for Pleasure, Steam Passenger Locomotives, e encarregou-se de dois magníficos guias: Atlas of The World's Railways e An Atlas of the Train Travel. Assim, a escolha do horário é «a mais subtil e sedutora forma da arte de viajar de comboio e - ocasionalmente - a mais exasperante», afirma ele, pensando em Edna St. Vincent Millay quando escrevia «Yet there isn't a train I woldn't take, no matter where it's going». Um horário é uma obra de arte, indubitavelmente. Viajantes de comboio existem (como eu, por exemplo) que se deleitam com a leitura de um horário, estabelecendo percursos imaginários que, se levados à prática, seriam certamente cansativos, mas deslumbrantes. O velhíssimo Thomas Cook, que dá pelo nome de Continental and Overseas Timetables of Railways, Bus and Steamer Services, é, neste domínio, o mais conhecido de todos, para viagens internacionais. Tem tudo: ligações estranhas com linhas praticamente desconhecidas, propostas bem curiosas de viagens por territórios que sempre desejámos conhecer, extravagâncias britânicas cheias de exotismo. Um dos escritores mais atrevidos neste tipo de coisas é, exactamente, Brian Thompson, romancista e dramaturgo inglês que regularmente escreve sobre comboios: numa das séries televisivas mais estimulantes sobre viagens de comboios, transmitida pela BBC há alguns anos atrás, Great Railways Journeys of The World, Brian Thompson ( e ainda Michael Wood ou Eric Robson ) deliciava-nos com uma descrição espantosa da sua viagem entre Bombaim e Cochim, passando por Bangalore, realmente fascinante e atenta. Mas, se não se quiser atrever a fazer as grandes linhas místicas dos viajantes de comboio, como a de Nairobi - Kinshasa, Nova Deli - Bombaim, o Expresso do Oriente, o Transpantagonian Express, poderá, mesmo assim, comprar um horário. E, se não puder comprar o Thomas Cook, o Eurail, editado na Suiça ( e disponivel em quase todas as estações principais portuguesas antes do Verão ) pela Schweizerische Bundesbanhen, serve perfeitamente para saber como pode ir de Lisboa e Porto até Helsínquia, Istambul, Leningrado, Viena, Dublin, Veneza, Zurique, Berlim, Estocolmo, Oslo ou Narvík. É só querer. Mesmo assim, a CP editou recentemente o seu mais completo horário, por módico preço. Contém todas as linhas e ramais portugueses (incluindo aquelas que a própria CP entende fechar a curto e médio prazos…), incluindo as grandes ligações para o estrangeiro. São quinhentas páginas (em 1988 vendia-se por 200$00, ou seja, €1,00…) de grande utilidade, que lhe dizem como pode ir de Lisboa a Bucareste, a Rovaniemi ( no círculo polar ), a Innsbruck, a Florença, etc., juntamente com a descrição horária da sua viagem entre Tomar e Lisboa, entre o Porto e a Póvoa do Varzim. Cosmopolita, portanto. E vale a pena, sempre, ter um horário que nos diga, em nossa casa, como se organiza o mundo, em estações, apeadeiros, transbordos, desdobramentos, ligações, couchettes, primeiras e segundas classes, etc.
• Este passo é mais arriscado: a decisão. Imaginemos que tem um mês disponível para uma grande viagem de comboio. Nunca imagine a sua viagem para trinta dias exactamente, mas para vinte. Chegam e sobram. Lembre-se que vai precisar de descansar, e bem… E não só: uma das vantagens do comboio é precisamente a sua disponibilidade para alterar percursos, fazer variar direcções até aí julgadas como indesmentíveis. O conselho mais viável é o seguinte: não deixe de estabelecer um percurso relativamente rígido a partir do qual possa efectuar pequenas e grandes derivações. A escolha da viagem deve efectuá-la com o mapa e o horário à sua frente: anote os comboios em que quer viajar, estabeleça o seu próprio horário ( por exemplo: Paris às 21.30, chegada a Hamburgo às 6.15 horas, partida de Hamburgo às 3.15 horas, chegada a Oslo às 19.30 horas…). Tenha em atenção, também, o facto de, nestas coisas, ser bom ter um agente de viagens pessoal, sempre o mesmo, que conheça as suas preferências, que o atenda demoradamente. Há uma lista de cerca de 120 agências de viagem em todo o País que substituem as vulgares bilheteiras da CP. Com estas agências marque uma hora para ser atendido e parar estender os seus mapas e horários. Exija todo o tempo. As grandes viagens, disso têm os agentes de se convencer, não são apenas as organizadas em cruzeiros de barco pelo Mediterrâneo (tão fora de moda…) ou as passagens de avião… Dignifique, assim, a ferrovia… É a seu favor.
• Vamos agora reunir a documentação de viagem. Claro: há o passaporte, o bilhete de identidade, a carta de condução (não se esqueça, pode ser-lhe necessária), papéis dos seguros (fundamental em grandes viagens) e, claro, os guias. Escolha guias confortáveis. Não passa pela cabeça de ninguém levar consigo uma enciclopédia. Os guias mais recomendáveis, neste particular, são o pesado Guide Bleu, a que pode acrescentar o Michelin e os Fodor's, sem dúvida os mais úteis e preciosos pelas informações pormenorizadas que indicam. Pode levar consigo, também, os guias Playboy… Não esqueça, ainda, canetas e blocos de papel (vai precisar de anotar coisas mínimas…) mapas, e alguns livros policiais que vai abandonando pelo caminho. Matérias fundamentais neste domínio são, ainda: um livro de endereços ( já usado com alguns endereços de amigos sempre úteis, em vários países, e por usar, para anotar outros endereços de novos amigos que vai conhecer no comboio ).
• Quinto momento: a escolha da bagagem. Fundamental. Qualquer que seja a sua idade, o melhor é utilizar mochila. Não tenha receio. Em nenhum país civilizado o uso de mochila será confundido com desmazelo. Só em Portugal, país onde é raro as pessoas viajarem, é que isso acontece. Respeitáveis anciãos viajam em toda a Europa de mochila. As mochilas ( sobretudo as escandinavas, embora em Portugal já se fabriquem algumas de bom material e de bom preço; as melhores são, no entanto, as da marca Karrimoor, passe a publicidade…) são muito mais práticas. A mochila leva tudo organizado em bolsas e bolsinhas. Coloque as coisas que não vai usar no fundo de tudo. Leve à mão as coisas que está sempre a utilizar: são as únicas recomendações, além da necessidade evidente de equilibrar os pesos… Se não quiser usar mochila, use malas leves ou sacos maleáveis e fáceis de transportar. Mas, lembre-se, usar mochila é o melhor, sobretudo se a sua viagem se estende por países longínquos (pode ir despachando bagagens para Portugal à medida que os dias vão passando…).
• Sexto e último passo: escolha a roupa. Consulte avidamente os boletins meteorológicos publicados nos jornais, mas previna-se sempre com roupa quente se for para o Norte da Europa e com roupa impermeável e confortável se for para o Sul da Europa. Seja prático. Muito prático. A viagem começa por aí, se quiser conservar o prazer de viajar.
• & etc. Não se esqueça, porém, de outros passos essenciais; geralmente vai querer viajar em grupo: escolha cuidadosamente as pessoas com quem viaja. Às vezes pode ser amigo de alguém, mas o temperamento das pessoas em viagem é altamente modificado; sempre. Lembre-se, também, que vai conhecer muita gente durante o percurso. Outro motivo de atenção é a escolha das datas: escolha para o ínicio da viagem uma terça-feira e nunca uma sexta-feira. Escolha sempre datas que não caiam entre os dias 29 e 31 / 1 e 3 de cada mês. Finalmente: saiba adormecer no comboio. É uma regra fundamental para não se esgotar em impaciências...


In: http://homepage.oninet.pt/275mez/co_comboio.html

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