sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Um pouco de história (3ª parte)


Quase 20 anos mais tarde, o contexto português tinha mudado radicalmente. Para os jovens começava a desenhar-se a ameaça da guerra em África. Vasco de Castro, hoje caricaturista, com 72 anos, consegue embarcar “numa bela manhã de domingo de 1962”. Para trás ficava um autêntico jogo do gato e do rato com a autoridade militar e a obtenção de um passaporte válido por três meses conseguido com algum engenho e grande dose de imaginação. A viagem, recorda, “foi insuportável”. A 1 de Abril de 1971 – “o Dia das Mentiras!” – o jovem Artur Silva chega à Guarda, acompanhado de um amigo do bairro lisboeta da Ajuda. Ambos tinham sido chamados para a tropa, o que significava a ida para a guerra. Na cidade beirã transaccionavam-se autênticos planos de fuga. O bilhete para Paris que compraram ao dono de um café “incluía um táxi Guarda-Almeida”. As fronteiras eram, claro, passadas a pé. Em Fuentes de Oñoro, recorda, “pediram-nos cinco escudos por um salvo-conduto”. Num “ambiente estranho, dezenas de pessoas, mulheres e velhos de um lado, homens do outro”, os dois companheiros atravessaram “um túnel enorme, com o coração nas mãos”. De volta ao comboio, nem todos eram refractários. “Alguns tinham feito a guerra. Quando explicávamos ao que íamos, eles torciam o nariz”. Artur vive ainda em Paris. É jornalista. Depois do 25 de Abril ainda viajou no Sud-Express. Curiosamente, garante que o ambiente não era tão diferente como seria de esperar. Tinha fugido à tropa, continuava a ser um criminoso aos olhos do Estado. “Quando passávamos a fronteira em Vilar Formoso, perguntávamo-nos se o regime tinha mesmo mudado! Precisávamos de um passaporte militar”. Com os anos, diz o jornalista, “a qualidade do comboio também mudou. A CP passou a tratar-nos um pouco melhor”. Mas o Sud-Express continuou a ser “o comboio dos emigrantes”. Os viajantes fazem-se acompanhar de farnéis bem portugueses: quilos de bacalhau, sacos de couves e garrafões de vinho.

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