quarta-feira, 16 de março de 2011

Horizonte simulado - José Diogo Quintela


A minha avó tinha um pobre só dela. Um pedinte que, de vez em quando, ia lá a casa e a quem a minha avó dava algum dinheiro. Hoje em dia já ninguém tem pobres. Os pobres são todos do Estado. Em vez de contarem histórias comoventes a velhinhas, fazem prova de rendimentos no guichet da Segurança Social. Um caso em que o Estado, de facto, facilita a vida aos cidadãos, aliviando-os. Nomeadamente, do sentimento de culpa ao negarem esmola a um mendigo, que agora já tem quem o subsidie oficialmente.

Pensava eu que isto de ter um pobre só para si era um anacronismo, até perceber que Angela Merkel também tem um. Chama-se José Sócrates e visitou-a recentemente em Berlim (uma notícia que, se O Independente ainda existisse, teria como manchete "Sem bolas em Berlim"). Supostamente, Merkel ficou contente com Sócrates devido aos números da execução orçamental de Fevereiro. Faz sentido. Se há coisas que agradam a alemães, são contas rigorosas e execuções.

Mas eu acho que não foi só isso. Estou convencido de que, para convencer a exigente Merkel, mais do que basear-se em boas contas, Sócrates baseou-se na Praia Artificial de Mangualde. Eu explico.

A Praia Artificial de Mangualde é um prodígio. Se não da técnica, pelo menos do marketing. A empresa que vai montar a praia artificial é a Live it Well Events que, no seu site, tem um filme de apresentação em que me pede que "imagine uma praia onde ela não existe". Até aqui, nada de novo. No Algarve fartam-se de me pedir que faça de conta que um amontoado de gente, terra e chapéus-de-sol é uma praia. Uma alegre suspensão voluntária da descrença em que eu alinho.

Depois de pedir para imaginar, garante "nós fazemos o resto". E o resto é uma praia no meio da Beira Alta, a 100km do mar. Começando na zona VIP (e não é fácil cativar os exigentes vips de Mangualde), passando pelos restaurantes e pelas 6500 toneladas de areia, o filme mostra todas as infra-estruturas. Que, à primeira vista, fazem esta praia artificial parecer uma vulgar piscina. Mas isso é só até nos ser apresentado o "simulador de horizonte". O "simulador de horizonte" é a tela que, num dos lados da piscina, faz parecer que à frente, em vez de serra, é tudo mar. Parece catita. Mas, em bom português, o poético "simulador de horizonte" não é mais que um prosaico "justificador de xixi". O pudor, que habitualmente impede a micção num sítio onde a água não circula, desaparece com a ilusão de se estar em águas abertas, em que a corrente marítima leva o ácido úrico para longe.

E eu gostava de imaginar que, inspirado por isto, o que Sócrates apresentou a Merkel foi, mais do que contas arranjadinhas, um "simulador de horizonte". Um trompe-l"oeil cujo objectivo é fazer crer que Portugal tem um horizonte, uma saída em vista. E gostava de imaginar que Angela Merkel não desconfia que o horizonte é simulado, que a perspectiva é aldrabada. Agora é só esperar que a chanceler não venha a Portugal e sinta quão morninha está a água. E nisso estou confiante. Pelo menos, a minha avó nunca visitava o pobre dela.

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