quinta-feira, 15 de setembro de 2011

O haiku europeu


A lenda conta que, em Bizâncio, as elites debatiam ainda o sexo dos anjos quando os turcos assaltavam a cidade. Era uma questão de prioridades. A União Europeia é a nova Bizâncio: debate a sua crise existencial em vez de combater a essência da crise. Compreende-se agora melhor porque escolheu para seu presidente um apaixonado por "haiku", Van Rompuy. Vítor Gaspar pode querer ser poeta, mas os sete trabalhos que lhe foram encomendados pela Troika assemelham-se mais ao "Inferno" de Dante. Com a Grécia como fantasma, o mais terrível dos equilíbrios é diminuir o défice e fazer crescer a economia para pagar a dívida. Estamos a expiar as nossas culpas. As dos gastos sem nexo mas também as de termos destruído a nossa economia embalados pela entrada no sistema monetário europeu. A complacência europeia para todos compôs o recital. É por isso que dói os alemães virem dizer, com superioridade e aplaudidos por quem gosta de levar no osso sem se queixar, que a culpa é dos molengas do sul. O tratado de Maastricht só regulou uma questão (a da dívida) esquecendo tudo o resto. E com a cumplicidade da política monetária do BCE, que permitiu no início da década de 1990 que se quebrassem todos os tectos de inflação para a ajudar a reconstrução alemã, agravou-se a célebre bolha consumista do sul da Europa. Alguém se quer relembrar de como tudo isto começou? Deixou de haver espaço para continuar a discutir-se o sexo dos anjos à espera que essa conversa afugente os bárbaros. A Alemanha precisa de decidir o que quer para si, para a Europa e para o euro. Os bárbaros estão já dentro da cidadela.

Crónica de: Fernando Sobral

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