domingo, 22 de abril de 2012

Abril


Recordo um um Abril na forma quase viva de gente que antes era triste e obediente e naquela hora saiu à rua com alegria e esperança, gritando por direitos, por justiça, por liberdade. Nos dias que se seguiram, o trabalho ganhou lugar nas canções e a política era tema de conversas que tinham como horizonte o sonho de cada um e a felicidade para todos. Formas de castração intelectual como a censura ou a cultura das crendices e das imposições do destino associadas ao velho regime começavam a ruir. Ao mesmo tempo, todas as possibilidades se revelavam à vontade ativa e crítica de um povo que não queria mais ser calado e enganado. As pessoas começavam a pensar que era possível uma vida melhor e, durante algum tempo, lutaram por isso.

Hoje, nas horas que ajudo a matar pactuando com o absurdo, olho a vida que se consome sem cuidado e que não é, nem de longe, a que os gritos das gentes então reclamavam. Vejo que a tristeza já se vai reinstalando nos corações dos que não andam distraídos. Vejo também que a obediência como forma de vida voltou a instalar-se. A obediência voltou a fechar as gargantas dos que já não lutam pelos seus direitos e decora a voz de uns quantos, eleitos, que não nos governam, mas que em murmúrios agitados se vão governando – vistos daqui, nem se distinguem de meros esbirros de circunstância.

No próximo dia 25, vou usar um minuto em silêncio por uma justiça morta num país onde os parasitas continuam no poder e persistem, impune e estupidamente, em asfixiar quem trabalha, em negar às crianças e jovens a educação que lhes é devida e em impedir a dignidade aos velhos.

No próximo dia 25, vou tentar a alegria de pensar que é possível mudar, que é possível dizer não à tristeza a que a mera obediência condena.

No próximo dia 25, vou comemorar a esperança do Abril que recordo e a liberdade que ainda quero.

Crónica de: Fernando Janeiro.

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