sábado, 19 de maio de 2012

O Facebook é de comer?

A guerra da carne não é apenas aquela que o Minipreço e o Pingo Doce protagonizam com descontos de 50 por cento na dita cuja. Esta é apenas a guerra-mãe de outras guerras de preços, num quadro em que há uma mudança de paradigma: mais virtual e menos real.

Em primeiro lugar, atentemos no nível de desconto. E interroguemo-nos: 50 por cento porquê?

Será porque a margem de lucro das cadeias de distribuição é fabulosa? Ou será que, para fazer face ao empobrecimento da classe média, o mercado adota a lei da selva, ou seja, os grandes comem os pequenos e no fim fica o leão... Se conseguir comprovar que é mesmo ele o rei da selva.

O empobrecimento da classe média, ao qual tenho dedicado regularmente linhas deste espaço, é cada vez mais a maior ameaça à economia portuguesa: Portugal não tem assim tantos ricos que possam sustentar assim tantos desempregados e assim tantos novos pobres. E isto tem um significado muito perigoso: a escalada dos impostos cobrados aos que não podem iludir e fugir ao Fisco acabará por trazer perturbações sociais cada vez mais difíceis de controlar, entre as quais estão os crimes mais violentos.

Quando deixa de poder subir a pulso a classe média comporta-se como fura-vidas. E parte dela recorre a velhos e novos truques para evitar pagar impostos indiretos que pesam demasiado sobre os contextos das suas atividades. A frase "com ou sem fatura" está de volta e ninguém leva a mal. Porque não há forma de ter confiança num Estado que, ele próprio, rompe contratos e tão mais facilmente quanto o parceiro for menos forte. O exemplo está fresco: mais penalizados os que trabalham para o Estado do que os parceiros que o Estado escolheu para negócios cujo contributo para o bem comum é geralmente irrelevante quando comparado com a partilha privada dos lucros.

Além de ser socialmente um país em que a classe média é preponderante, Portugal é uma economia de pequenas e médias empresas. E é também por aqui que a coisa vai de mal a pior. Porque a guerra da carne acabará por matar talhos e carniceiros, uns atrás dos outros e tantos mais quanto mais durar.

Por fim, as guerras de preços juntarão aos trabalhadores por conta de outrem desempregados, cada vez mais pequenos e médios empresários falidos. Ou seja: muitíssima classe média expelida dos habituais mercados de consumo.

O mais incrível é que a guerra da carne protagonizada por duas redes distribuidoras locais conviveu na tarde de ontem com a fulgurante entrada em bolsa de uma rede distribuidora virtual global de partilha de conteúdos, o Facebook, valorizada acima dos 100 mil milhões de dólares.

Parece, pois, certo que voltamos a mudar de paradigma. Só falta saber se o novo será comestível...

Crónica de: Manuel Tavares

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