A ESPANTOSA atualidade de Eça mede-se, muitas vezes, na leitura proveitosa d’Uma Campanha Alegre, onde os tiques da classe política estão esculpidos no tempo. A implacável crítica ao rotativismo, com os seus vícios clientelares, a mediocridade transformada em mérito, espécie de milagre dos lugarzinhos (e chorudos) à mesa do orçamento que, dizem, a Troika envernizou de rigor e exigência. Está bem, venham cá agora com essas! Eça, que se inquietava com a choldra em que o país se transformara, como se fosse doença congénita, sorria da realidade e nesse sorriso de ironia, ao mesmo tempo fina e demolidora, feria de morte o reino da estupidez. Numa dessas farpas, ele criticava que uns sujeitos que, na oposição, criticavam ferozmente os homens do poder, faziam exatamente o mesmo (ou pior) quando substituíam os sujeitos na galeria do mando. Leia-se agora o “Diário da República” e lá encontramos , sem disfarce, esses tiques do clientelismo de que Eça se ria, a bom rir. Uma alma caridosa, dessas que compulsam as pesadas páginas do “Diário da República” an dou lá a inventariar nomeações de assessores e o resultado final só pode ter uma legenda: escândalo. São dezenas de jovens, com menos de trinta anos, muitos sem outra experiência do que pertencerem ao domínio dos deuses da JSD, que enxameiam ministérios (até o das Finanças) e ganham, a maioria, mais de cinco mil euros/mês. Em tempo de austeridade, com Passos Coelho, a encher a boca de exemplaridade (e de austeridade!), com Cavaco a sorrir, e o povo a morrer de fome (bendita seja a Troika do nosso descontentamento), a choldra continua a reproduzir-se na lógica clientelar do favor e no triunfo da mediocridade. Mudam os governos, mas as coisas pioram. Diz o meu amigo, encolhendo os ombros:
– Quem não tem cartão do partido (ou da Jota) é ladrão de si mesmo.
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