sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Empobrecer é bom para os outros.


O mantra “Vamos empobrecer”, trauteado de forma digna e austera, atinge por estes dias um valor simbólico equivalente ao do hino nacional. Este mantra foi incluído no discurso do primeiro-ministro muito antes de se ter instalado nos quartinhos de São Bento. Passos utilizou essa espécie de moral espartana para efeitos de propaganda: era ele o pai que no Natal de 2010 não tinha dinheiro para comprar prendas às filhas mais velhas; o homem que alugava uma casinha de férias em Manta Rota e fazia churrascos (em contraste com os hotéis de luxo onde se instalava José Sócrates); o primeiro-ministro que deixou de andar em primeira classe na TAP para poupar uns dinheiros ao Estado. Tudo devidamente “comunicado” pelos experts da campanha e, depois, do governo. A propagação dos valores da “austeridade digna” não se restringiu ao primeiro- -ministro. Todos os que os rodeavam – como alguns dos recém-nomeados para cargos que o Estado tem para oferecer – propagandearam o mesmo. Tínhamos de “empobrecer”, empobrecer era bom, empobrecer dá saúde e faz crescer. Mas só os pobres, ao fim e ao cabo, servem para a função: têm prática e estão habituados. A virtude do escândalo das nomeações é desmascarar de uma forma definitiva a propaganda do governo. Empobrecer é bom para os outros. Os quase pobres estão obrigados a pagar o IVA da electricidade a 23% que ajudará a financiar o salário de Eduardo Catroga, como ontem lembrou muito bem o histórico do PSD António Capucho. Como justificar um aumento do IVA para 23% de um bem essencial como a electricidade (decidido pelo governo) propriedade de uma empresa privada, quase monopolista, em que os gestores são pagos em valores extra-terrenos? O facto de ser o braço-armado partidário de Passos Coelho para as políticas de austeridade a ser pago com o aumento do IVA é moralmente escabroso. “O valor de mercado” de Eduardo Catroga (qual mercado?) é para todos os efeitos descontado nos salários de famílias quase pobres. O que se passou nas Águas de Portugal – e se tinha já passado na Caixa Geral de Depósitos – foi o habitual “ir ao pote”, nas imortais palavras do primeiro-ministro. O “pote” é muito melhor do que o governo – até porque paga muito mais. E depois há essa região autónoma chamada Banco de Portugal cujos funcionários se regem por um direito paralelo: o ordenado do governador é superior aos congéneres de outros países, as reformas são extraordinárias. Se a decisão de manter os subsídios de Natal e de férias vingar – e chegar ao Presidente da República, que optou pela reforma do Banco de Portugal, muito mais generosa do que o ordenado de Presidente da República – o enterro da credibilidade da litania da “austeridade digna” atingirá finalmente todos os órgãos de soberania. Com o país em sangue, o escândalo das nomeações arrasa qualquer autoridade do governo para falar contra “a despesa do Estado”. Tudo isto também é (ou ainda é) Estado e, em grande medida, gordura. Por razões práticas, escapou à contabilidade das maléficas “despesas” que o governo quer travar a todo o custo.

Nota: Faz o que eu digo não faças o que eu faço...

Sem comentários: