quinta-feira, 19 de julho de 2012

As cabeleireiras que paguem a crise.


Atacar a evasão é a melhor política fiscal do mundo. Não há Governo que a não prometa. E faça. E até refaça. O Governo repôs ontem o prémio fiscal a quem pedir factura. E alargou os grupos de risco entre quem as passa. Barbeiros e cabeleireiras, tremei!

O Governo tem um problema gigante ente mãos. Um desvio colossal de 1,5 a dois mil milhões de euros este ano; e um colossal desvio de outro tanto no próximo ano decorrente da declaração de inconstitucionalidade dos cortes salariais na Função Pública. Comecemos por 2012: o que fazer? O FMI foi ontem muito claro: prefere dar tolerância no défice orçamental deste ano que validar a patranha das receitas extraordinárias; e prefere outros cortes de despesa do que mais impostos sobre o privado.

A alquimia é difícil. Aumentar impostos sobre o rendimento é jogar futebol com bolas de sabão. Cortar despesa é, nesta dimensão, furar o Serviço Nacional de Saúde, o ensino ou o Estado Social. E como o discurso das gorduras já virou anedota, há uma possibilidade intermédia que, não solucionando, atenua: combater a fraude e a evasão fiscal. Taxar os ricos que andam a teletransportar dinheiro na Suíça. E tributar os seus barbeiros.

Foi nimbado deste propósito que o secretário de Estado Paulo Núncio revelou ontem as medidas de combate à evasão fiscal. O anúncio de Núncio abrange os dois agentes envolvidos: a de quem compra, paga e recebe factura; e a de quem vende, recebe e passa o documento com validade fiscal. O objectivo, é claro, chama-se IVA.

Comecemos por quem passa o documento. É obrigatório por lei passar uma factura em qualquer sector a pedido do cliente. E há já vários sectores de risco, em que independentemente do pedido, passar factura é obrigatório. É o caso das contas acima de dez euros nos restaurantes, nos táxis e nas obras e reparações. Agora, o talão acaba, é substituído pela factura simplificada. Uma roda é uma roda, mesmo que mude de nome. Mas pronto: o que interessa é a credibilidade do sistema de facturação das empresas. O que é mais significativo é a caça apertar aos restaurantes, aos hotéis, de novo às obras, reparações em oficinas automóvel e, grande novidade, aos cabeleireiros. Uma cambada de meliantes fiscais, supõe-se.


É do outro lado da factura que está o centro da questão. O maior agente do fisco chama-se cliente. Se ele pede factura ela é passada. Se não, não o é. Ora, apesar de todo o trabalho que tem sido feito no combate à evasão fiscal, a economia paralela em Portugal não baixa dos 20 a 25% do PIB. Quem não quer passar factura, não passa. A não ser que o cliente exija. E em muitos casos, o cliente não quer, porque prefere piscar o olho primeiro, pagar menos 23% e fechar os dois olhos depois.

É por isso que os Governos de todo o mundo inventam formas de incentivar o pedido de factura. Na China e em Porto Rico, as facturas são convertidas em bilhetes de lotaria. Em países como a Itália, as campanha publicitárias tratam os evasores como parasitas, piores que soldados de Herodes. Na Grécia, há isenções que dependem de recolha de facturas. Em São Paulo, há uma "nota fiscal" que permite devolução de parte do dinheiro tributado. E em Portugal, onde Miguel Beleza chegou a propor colocar fotografias de senhoras bonitas nas facturas para coleccionar cromos, a nova medida é igual à velha: um prémio fiscal.


Paulo Núncio recuperou a medida de Manuela Ferreira e aumentou o prémio, de 50 para 250 euros de bónus máximo em imposto anual. É dar IRS a quem cobrar IVA. E isso significa, caro leitor, caro contribuinte, que daqui para a frente é consigo.

Pedir factura é obrigar alguém a pagar imposto por uma receita que efectivamente teve. Dispensá-lo disso é, indirectamente, aumentar os imposto aos que cumprem. Portanto, desta vez o Governo não pode fazer por nós esse trabalho: cumpramos nós, ou não, esse pedido. A sociedade civil também tem vontade. E atitude. O que é bem mais que olhar desconfiados para os Morenos e as Lúcias Pilotos desta vida enquanto nos cortam o cabelo. Ou nos dão um bigode.

Crónica de: Pedro Santos Guerreiro

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