quinta-feira, 26 de julho de 2012

O homem-lapso.

Toda a gente devia ter o seu Miguel Relvas. Dá jeito em qualquer ocasião. Um estudante não sabe a resposta a uma pergunta e, para distrair o júri da oral, exibe um Miguel Relvas. Um gatuno entra numa casa e, para entreter os cães, atira-lhes um Miguel Relvas. Uma mulher é apanhada com o amante e, para desviar a atenção do marido, apresenta-lhe um Miguel Relvas.

Infelizmente, só o Governo tem o privilégio de ter um Miguel Relvas. E o Miguel Relvas do Governo é o melhor de todos os Miguéis Relvas. Trata-se de um Miguel Relvas que, além de conseguir desviar a atenção do que é mais importante no Governo, desvia a atenção do que é mais importante em Miguel Relvas. Miguel Relvas consegue ser Miguel Relvas de si mesmo. Por causa do que Miguel Relvas fez na Lusófona, já ninguém fala do que Miguel Relvas fez ao Público. E, no entanto, os casos relacionam-se em toda a sua esplendorosa relvice. Na altura em que foi confrontado com o facto de, em duas legislaturas seguidas, ter alegado frequentar o segundo ano do curso de Direito, quando na verdade tinha feito apenas uma cadeira do primeiro ano, Miguel Relvas disse que se tratava de um lapso. Quando constatou que a deliberação da ERC não referia a "pressão inaceitável" do ministro, o presidente do organismo disse que se tratava de um lapso. Um lapso a propósito de um homem que tinha incorrido em dois lapsos, com uma cifra final de lapsos que acaba por ascender a três. Esta salsada de lapsos passou sem reparo. É uma orgia de enganos. Um bacanal de equívocos. Uma ménage-a-trois de quiproquós. Merecia mais e melhor atenção.

No momento em que escrevo, Miguel Relvas ainda não se demitiu. Talvez no lapso de tempo que decorre entre a escrita deste texto e a sua publicação, ocorram outros lapsos que o obriguem a demitir-se. Mas não parece provável. Nem, devo dizer, necessário. Um número relativamente alargado de pessoas exige uma demissão, ignorando que já houve várias. Ricardo Alexandre deixou de ser director-adjunto da RDP, Maria José Oliveira deixou de ser jornalista do Público e Fernando Santos Neves deixou de ser reitor da Lusófona do Porto. Quase todos os envolvidos nestes casos abandonaram as suas funções, menos Relvas. A troika bem avisou que um dos problemas mais graves do País era a dificuldade de despedir gente na função pública. Agora é possível apostar, na internet, no momento que Relvas escolherá para se demitir. É dinheiro deitado à rua. O mais provável é que todo o povo português se demita antes de Miguel Relvas.

Crónica de Ricardo Araújo Pereira na revista “Visão”.



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