sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Barómetro "Gente como nós" passa a figurar no catálogo dos pobres de Lisboa .


O debate sobre as consequências sociais da crise financeira tem-se centrado na inevitabilidade da redução da qualidade de vida e no seu alargamento às classes médias, mas o estado de vulnerabilidade das famílias da capital em situação de pobreza carece de medidas sociais articuladas, que sejam estruturais e não pontuais, curativas e não paliativas. A constatação e fotografia são sublinhadas na síntese conclusiva do barómetro do Observatório da Luta contra a Pobreza na Cidade de Lisboa, que será hoje apresentado e discutido num seminário internacional a decorrer em Lisboa.

Aos que se encontram em situação de vulnerabilidade que já têm um historial de pobreza junta-se a "gente como nós", com habilitações e percurso de vida estável - são eles os novos desempregados de Lisboa. Um subperfil já conhecido dos autores do estudo da Dinamia"CET (Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica e o Território, do ISCTE-IUL), que agora refina o seu conhecimento. Em 11 freguesias da cidade (Norte, Oriental e zona histórica), através de inquéritos, foram conhecidos os aspectos qualitativos dos seus percursos, vivência, dificuldades e expectativas. "Não há no relatório o número de quantos pobres há em Lisboa - embora isso fosse desejável -, mas o que ressalta é o crescimento da qualidade de informação [face ao primeiro relatório, de 2007], e há novas áreas críticas, como o desemprego", diz Sérgio Aires, director do observatório. Quem são os pobres? Aos desempregados de longa duração juntam-se estes novos desempregados, pessoas que poderão estar próximas da "nova pobreza", como diz Sérgio Aires. "Já constam do catálogo dos novos pobres, ainda que não seja totalmente correcto dizer que são os novos pobres. Mas há indicadores de alerta, da Cáritas, do Banco Alimentar. E estamos preocupados em procurar soluções para os seus problemas, pois, independentemente de surgirem essas novas pessoas, já tínhamos os velhos pobres. São aqueles que, ao contrário do que seria de esperar, não estão a ser alvo da melhor atenção." É crível que o pior possa estar para vir, pois a junção dos dois grupos criaria um número de difícil gestão em termos de auxílio social. Sérgio Aires, sociólogo, antevê alguns desses problemas: "Iremos ter mais novos pobres trabalhadores com todas estas medidas de austeridade, com a oferta de emprego precário, a flexibilidade da legislação laboral, e a redução da remuneração do trabalho." Idosos, gente com reduzidas qualificações, incapacitados para o trabalho por doença, cuidadoras informais, desempregados e trabalhadores pobres, cada grupo tem o seu perfil estudado, mas se a maior parte revela uma atitude activa cooperante, numa auto-apreciação que reparte entre si próprio e a sociedade a responsabilidade pela pobreza em que se encontra, muitos dizem acreditar que a situação é passageira. Famílias-sanduíche "Não se dão por derrotados, mesmo que nunca se diga a um terceiro que desistimos de procurar", admite Sérgio Aires, que identifica problemas na arquitectura do sistema: "A legitimidade no acesso complica, muito mais quando se fala do RSI [Rendimento Social de Inserção]. Às vezes, segundo o ponto de vista da opinião pública, tudo parece muito fácil. Na realidade, não é assim, a começar pelo período de espera, ou porque é estigmatizante, malvisto por alguns sectores da sociedade. Há o caso das famílias-sanduíche, que até tem rendimento suficiente para uma vida condigna, só que na sua casa residem dois filhos e um dependente, que pode ser o pai, e que tem Alzheimer. E se para a estatística aquela família não é pobre, na realidade fica muito limitada. E se um deles perde o emprego, tudo se agrava por não cumprir critérios elegíveis para apoios, ou para o RSI. Outros não pedem apoios por vergonha, ou porque a sociedade os caracterizaria como indivíduos que não querem trabalhar. Ainda que haja muitos casos destes, esta pobreza envergonhada começou a perder a vergonha. A tipologia de pessoas mudou e as instituições, que a elas não estavam habituadas, têm sido muito solicitadas." O estudo, diz Sérgio Aires, não aponta soluções, mas identifica carências e a necessidade de "maior articulação entre as instituições na intervenção social e nas próprias políticas." Isto pode passar, conclui, por "um plano mais integrado de combate à pobreza na cidade e no país. Temos que ir mais longe na planificação da cidade, a nível organizativo e político e pensar em dimensão de prevenção."

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